Muita gente sabe a história da Estátua da Liberdade, símbolo maior dos EUA: o governo francês a doou ao povo norte-americano quando do advento do aniversário de 100 anos da independência daquele país. Desde então, simboliza o valor considerado número um pelos estadounidenses, a liberdade.

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Também há uma segunda estátua da liberdade, situada no Rio Sena, em Paris. Quem faz o passeio do bateau mouche pelo rio, vê a estátua após a Torre Eiffel, em uma ilha do Sena (normalmente os barcos fazem a curva lá, sendo possível fotografar a pequena estátua).

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Agora o que pouca gente sabe, inclusive os alagoanos, é que uma terceira estátua da liberdade foi executada pela mesma fundição e pelo mesmo escultor da estátua americana, Frédéric Auguste Bartholdi, e há mais de um século ornamenta a entrada do porto de Maceió.

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Hoje em dia, a Estátua da Liberdade de Maceió, situada atrás do MISA (Museu da Imagem e do Som de Alagoas) desperta o interesse de poucos, sejam locais ou turistas. Esta semana vi, para minha surpresa, um ônibus de turismo parado ao lado da pracinha, para que os turistas pudessem ver esta inusitada atração e tirar fotos.

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O que levou Maceió a ser contemplada com uma Estátua da Liberdade? Há várias teses: uma delas aponta a amizade do pintor alagoano Rosalvo Ribeiro com o artista que elaborou a estátua. O citado pintor coordenou a reforma da Praça Dois Leões, em Jaraguá, e também da mesma fundição  vieram outras esculturas, como os leões que até hoje estão situados na praça. Segundo se relata:

Em 1918, seis anos após a queda da oligarquia Euclides Malta (1900-1912), a réplica alagoana, feita pela mesma Fundição d’Osne construtora do monumento de Nova York e assinada pelo mesmo Bartholdi, foi transportada para um pedestal atrás do prédio da então Recebedoria, que hoje abriga o Museu da Imagem e do Som de Alagoas (MISA).
A mudança ocorreu no contexto de uma reforma da chamada “Ponte do Desembarque”, promovida no governo de Batista Accioli (1915-18), engenheiro civil com passagem pelos EUA e filho de senhores de engenho. À época, os navios fundeavam na enseada de Jaraguá e botes embarcavam e desembarcavam os passageiros, tendo como apoio um cais de madeira e ferro que começava num ponto próximo ao prédio da Recebedoria e adentrava uns 150m no mar. Havia também uma casinha na rua Sá e Albuquerque, entre a Recebedoria e o trapiche ao lado, onde hoje está um banco, que funcionava como bilheteria e alfândega.
A estátua, portanto, foi transportada para próximo da praia (que até 1940, ano de inauguração do cais do porto, era muito mais próxima da Recebedoria, dos trapiches e da Associação Comercial) com uma intenção simbólica parecida com aquela que estava na base da construção de sua irmã norte-americana. A idéia, nos parece evidente, era a de expressar um liberalismo conservador, mas de alguma forma aberto à incorporação econômica das massas, ao progresso da indústria, à ciência, ao racionalismo e ao comércio mundial.
Aquela não era uma Alagoas apenas ou principalmente dos senhores de engenho e usineiros. Era uma Alagoas liderada pelo espaço urbano. Na verdade, a burguesia comercial de Jaraguá comandava o processo econômico e ficava com a maior parte da riqueza. As fábricas têxteis já formavam um cinturão industrial mais poderoso do que o conjunto das usinas de açúcar. A referência a Nova York não era um acaso, uma imitação provinciana ou um mero pastiche.
No pedestal sobre o qual fora erguida a réplica maceioense foi esculpida a antiga bandeira de Alagoas, flâmula aprovada em 1894 e substituída em 1962, em cujo Brasão havia também símbolos liberais, cientificistas e de progresso: um trem, navios a vapor e a Cachoeira de Paulo Afonso (que remetia à eletricidade).
Mas o atraso, a herança do escravismo, o prussianismo, era outra tendência presente e dividia as instituições sociais com o liberalismo e as aspirações democráticas, num ambiente que já possuía correntes socialistas entre os operários. O setor canavieiro, que englobava engenhos e usinas, era responsável pelo empuxo para trás, devido às suas características econômicas intrínsecas. Em maio de 1930, o Recife passou a ter um campo de pouso para receber o LZ 127 Graf Zeppelin, que visitou a cidade 65 vezes. Entre dezembro de 1936, quando a aeronave passou a seguir da capital pernambucana para a cidade do Rio de Janeiro, e maio de 1937, mês em que a explosão do LZ 129 Hindenburg acabou com a era dos dirigíveis, fotógrafos alagoanos clicaram o Zeppelin passando sobre o prédio do atual museu Théo Brandão, a Praça Sinimbu, o Farol e a Estátua da Liberdade.
As fotos e um cartão postal enquadrando a Estátua da Liberdade de Jaraguá e o Zeppelin, que trazia a suástica nazista em sua cauda desde 1933, coagularam muito bem os dilemas civilizacionais alagoanos da época. A principal bifurcação era justamente a simbolizada nas imagens. Alagoas estava entre o caminho liberal norte-americano e o caminho autoritário alemão para o capitalismo.
Em 1939, foi construída a praça do Centenário da Cidade de Maceió, numa reafirmação da importância e do prestígio social do bairro do Farol, região então preferida pela burguesia. O prefeito Eustáquio Gomes de Melo, engenheiro udenista com especialização nos EUA e na Europa, convocou a Estátua da Liberdade de Jaraguá para figurar no meio da nova praça, onde ficaria no centro de um espelho d’água, uma remissão à Ilha da Liberdade, na qual se localiza a estátua norte-americana.
Naqueles tempos de ascensão do nazismo na Europa, de integralismo, de ditadura getulista e das obras de construção do cais do porto de Jaraguá (concluídas em 1940), a burguesia maceioense queria afirmar seu liberalismo conservador, sua recusa ao Estado Novo (o IAA havia retirado dos comerciantes da cidade a intermediação da produção açucareira) e a hegemonia econômica e política da capital.
Até a escola pública estadual construída em 1932, numa das gestões do menos getulista dos Interventores (Osman Loureiro), próximo ao local que seria a Praça do Centenário, tinha uma clara alusão aos ideais daquela classe social: Grupo Escolar Aureliano Cândido Tavares Bastos.  O homenageado fora o maior pensador liberal brasileiro do século XIX e o mais apaixonado pelo modelo norte-americano.
A partir da inauguração do cais do porto, em 1940, a “Ponte do Desembarque” perdeu a serventia e foi abandonada. A localização da Estátua da Liberdade em Jaraguá, por sua vez, já perdera seu significado primitivo, pois não era mais o tempo do liberalismo idealista do início do século. Os capitalistas não mais temiam a falta de força de trabalho e nem sonhavam com levas de imigrantes europeus. Em outubro de 1956, morre o general Pedro Aurélio de Goes Monteiro, o militar alagoano que fora o segundo homem mais poderoso do país durante a era Vargas. Após a Revolução de 1930, da qual foi o chefe militar, fundou em Alagoas o domínio de sua família no Executivo do estado. Um de seus irmãos foi governador (Silvestre Péricles) e dois foram interventores (Ismar de Goes Monteiro e Edgar de Goes Monteiro). Seus adversários em Alagoas eram principalmente os liberais conservadores da UDN. Durante o governo de Muniz Falcão (1956-60) e a gestão do prefeito Abelardo Pontes Lima (1956-60), a dama da liberdade foi retirada da Praça do Centenário para dar lugar a uma estátua do general Goes Monteiro. O trabalhismo getulista, que tinha ampla base operária em Alagoas, se impunha no centro do bairro da burguesia liberal. Saiu a liberdade de comércio, entrou a guerra, a aliança entre capital e trabalho e o dever em relação à pátria. O mapa de Alagoas e os índios (representando Alagoas e a Paraíba) seriam colocados em outra parte da praça, em 1962, pelo prefeito Sandoval Caju, que era paraibano.
A então desprestigiada Estátua da Liberdade foi remetida para uma pequena praça construída na fronteira entre a Pajuçara e o Jaraguá, antes de ser devolvida, nos anos 1990, durante a gestão do socialista Ronaldo Lessa, ao seu pedestal localizado por trás da antiga Recebedoria, naquele momento já Museu da Imagem e do Som de Alagoas. O assoreamento da praia em frente, causado pela construção do cais do porto, distanciara o pedestal da linha d’água e possibilitara a construção da vila de pescadores do Jaraguá, que abrigou uma população explorada pelo mercado e abandonada pelo Poder Público. A jornalista Janaína Ávila publicou na Gazeta de Alagoas, três ou quatro anos atrás, uma foto daquela estátua tirada de uma janela do MISA. Enquadrou a dama da liberdade em primeiro plano, com a pátina do tempo no seu corpo de bronze, o drama da vila de pescadores adiante e os navios carregados de açúcar ao fundo. A via prussiana de desenvolvimento do capitalismo venceu a via norte-americana. Mas o fato de a Estátua da Liberdade ainda permanecer lá é também prenúncio de esperança no futuro, que passa por algumas promessas do liberalismo, como a democracia e a ciência, e vai além, ao encontra da igualdade social e do socialismo“.http://www.reporteralagoas.com.br/blog_golbery_lessa.php

Assim, podemos afirmar que somente as cidades de Nova Iorque, Paris e…Maceió têm estátuas da liberdade originais, para orgulho do povo alagoano. Certamente poderíamos difundir mais esta situação junto à população brasileira e alagoana, assim como contribuir para a formação de roteiro cultural turístico na capital de Alagoas.