Hoje, no dia em que Maceió viveu momentos de tensão, com a interdição por estudantes e trabalhadores de sua principal via de trânsito, o nome de Fernandes Lima esteve na boca de milhares de alagoanos. Mas afinal, quem foi Fernandes Lima? O que ele fez para merecer a homenagem de emprestar seu nome à avenida que cruza a parte alta da capital alagoana?

Antes de responder,  é importante registrar que a Avenida Fernandes Lima é o eixo viário de Maceió, especialmente para quem mora ou trabalha na região alta da cidade. Nela estão situadas inúmeras atividades comerciais, serviços (pequenos shoppings de bairro), o supermercado mais luxoso do Nordeste, quiça do Brasil (Palato Farol), e o CEPA, que já foi o maior complexo educacional da América Latina (formado por mais de 20 escolas). Apesar das quatro faixas em cada sentido, fica congestionada nos horários de pico. Ela tem um lindo canteiro central (são quilômetros de verde). A discussão é se deve ou não este canteiro sucumbir, e dar lugar ao alargamento da via, ou mesmo para abrigar o VLT. Evidentemente, se fossem tomadas medidas de compensação ambiental, o VLT já teria, no lugar do canteiro, espaço suficiente para uma composição subindo (destino aeroporto), e outra descendo (destino centro). Aos que são de outros Estados, explico: usamos por aqui as expressões subir e descer, porque o bairro do Farol se situa em uma região geograficamente mais alta da cidade, tanto que para chegar a ela, você terá que subir alguma das muitas ladeiras de Maceió (dos Martírios, da Catedral, do Brito, da Leste-Oeste, do Óleo, do Calmon). Após o bairro do Farol, que tem uma altitude de mais de 30 metros acima no nível do mar, vem o Tabuleiro dos Martins, que atinge os 50 metros, e é a área de expansão urbana que mais cresce em Maceió (só o Benedito Bentes, que nasceu como conjunto habitacional, tem mais de 100 habitantes). Para concluir esta introdução, o bairro se chama Farol porque abrigou durante muitos anos um farol da Marinha, no alto da ladeira da Catedral.

Para quem quiser ver as fotos da principal avenida de Maceió: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1562700

Voltando ao tema do post, segundo o wikipedia:

José Fernandes de Barros Lima, mais conhecido como Fernandes Lima (Passo de Camaragibe, 21 de agosto de 1868 — Maceió, 16 de maio de 1938), foi um advogado, jornalista e político brasileiro. Filho de Manuel José de Lima e de Constantina Acióli de Barros Lima. Foi um dos principais integrantes da Liga dos Republicanos Combatentes em 1912 em Maceió. Liga esta, responsável pelo pior caso de violência aos terreiros candomblé ou o conhecido Xangô do estado de Alagoas. Operação Xangô ou mesmo Quebra-quebra de 1912, nome dado a feito, foi coordenado pelos políticos locais, Clodoaldo da Fonseca (candidato a governador no ano do Quebra-quebra de terreiros) Fernandes Lima (seu vice) e Manuel da Paz(militar responsável pela liderança da Liga e a devassa aos terreiros de Alagoas). Fernandes Lima, juntamente com outros violentos combatentes e com os já citados, esteve ligado ao pior caso de intolerância religiosa, preconceito de cor e abuso de autoridade já conhecido em Alagoas, também figurando como um dos piores casos do Brasil.

Foi governador de Alagoas em dois períodos, de 12 de junho de 1918 a 1º de março de 1921 e de 12 de junho de 1921 a 12 de junho de 1924, além de vice-governador, senador, deputado federal e estadual, exercendo mandatos entre 1892 e 1930. Seu filho, Petrônio Falcão Lima, estudou no imperial Colégio Militar do Rio de Janeiro, mesmo morando em Alagoas.” (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fernandes_Lima)

De acordo com o site do Senado Federal, Fernandes Lima exerceu os seguintes mandatos:

Prefeito  –       1892 a 1893
     Deputado Estadual  –       1892
     Deputado Estadual  –       1893 a 1894
     Deputado Federal  –       1894 a 1896
     Vice-governador  –       1912 a 1915
     Deputado Estadual  –       1917 a 1917
     Governador  –       1918 a 1921
     Governador  –       1921 a 1924
     Senador  –       1924 a 1930” (fonte: http://www.senado.gov.br/senadores/senadores_biografia.asp?codparl=1922&li=33&lcab=1924-1926&lf=33)

Outras informações sobre a atuação e contexto político em que esteve inserido Fernandes Lima podem ser encontradas na reportagem “Fernandes Lima: uma injusta homenagem”, publicada no site da Tribuna do Sertão, de autoria de Cosme Rogério:

Fernandes Lima: uma injusta homenagem

A Fernandes Lima, com seu tráfego intenso e, por vezes, complicado, é uma das avenidas mais conhecidas da capital alagoana. É o mesmo nome de uma escola e de outras ruas e praças espalhadas pelo Estado. Arapiraca, Palmeira dos Índios, Porto de Pedras, São Miguel dos Milagres, Anadia, Porto Real do Colégio, Delmiro Gouveia, Penedo, Santana do Ipanema, Água Branca… Cada uma dessas cidades, entre outras, tem algum logradouro chamado Fernandes Lima.

Como se sabe, muitas das homenagens feitas a “grandes vultos da história” são, na verdade, uma forma simbólica de as classes dominantes perpetuarem a sua própria memória, inventando mitos, atribuindo aos homenageados grandezas inexistentes, tomando a história como categoria cuidadosamente construída para incluir personagens e excluir outros.

Apesar da fama do nome, a trajetória real desse tal Dr. José Fernandes de Barros Lima, que governou Alagoas entre 1918 e 1924 (dois mandatos consecutivos) fica obnubilada em favor de uma identidade na qual o povo nunca se espelha. Saber quem foi ele, seus feitos e as consequências de seus feitos, se torna necessário para percebermos o quão injustas são as homenagens a essa figura.

Para começar, precisamos retornar ao contexto das três primeiras décadas do século passado, quando representantes dos maiores estados do sudeste (São Paulo e Minas Gerais) se revezavam na presidência da República, e os estados de menor expressão econômica eram dominados por oligarquias coronelescas que, muitas vezes, não passavam de um ou dois grupos de “parentelas”, isto é, indivíduos politicamente unidos por laços de parentesco carnal (pais, filhos, tios, avós, primos), conjugal (esposo ou esposa) ou espiritual (compadrio). O Ceará, por exemplo, era o reino dos Acióli. O Pará, dos Lemos e dos Chermont. Em Alagoas, por mais de uma década, o domínio absoluto foi da família Malta.

O líder máximo da oligarquia dos Malta foi o magistrado Dr. Euclides Vieira Malta, bacharel procedente de uma família de proprietários rurais, que governou Alagoas por três mandatos (1900-1903, 1906-1909 e 1909-1912) intercalados pelos governos de seu irmão, Joaquim Paulo Vieira Malta, sucedido pelo vice, Antônio Máximo da Cunha Rego (1903-1906); do coronel José Miguel de Vasconcelos, antigo barão de Porangaba (vice de Euclides, assumiu o cargo para o titular recandidatar-se, em 1909); e do coronel Macário das Chagas Lessa, presidente da Câmara dos Deputados Estaduais (atual Assembleia Legislativa), que também assumiu por curto período, após a renúncia de Euclides, pouco antes da deposição dessa oligarquia pela chamada “Política de Salvações”, nacionalmente implementada pelo presidente da República Hermes da Fonseca. A lealdade que os membros do grupo de parentela dominante em Alagoas dedicavam a Euclides Malta era tanta que o coronel Azeredo, chefe político mato-grossense, exclamou, certa vez: “Fizeste muito bem, Euclides, só elegendo os teus. Eu, como não tenho parentes, cada um que mando para o governo do Mato Grosso é um traidor”.

A oposição à oligarquia dos Malta organizou-se em torno do advogado e jornalista Dr. Fernandes Lima, que gozava de cada vez maior influência em diversas camadas da sociedade alagoana, da elite econômica ao proletariado rural. Em setembro de 1911, tendo Fernandes Lima como candidato a vice, foi lançada a candidatura do coronel Clodoaldo da Fonseca, primo do presidente Hermes e sobrinho a quem o tio Deodoro dedicou afeição paternal, à presidência do Estado de Alagoas. Iniciou-se aí uma intensa campanha de “moralização dos costumes” e de ligação do domínio absoluto dos Malta ao que os seus opositores consideravam “práticas de bruxaria”, já que o governador Euclides, primo do primeiro bispo de Alagoas Dom Antônio Brandão e doador de substanciais auxílios às obras pias e ao Seminário de Maceió, era também frequentador do terreiro da iyalorixá Tia Marcelina.

Em dezembro de 1911, Fernandes Lima e Clodoaldo da Fonseca fundaram a Liga dos Republicanos Combatentes, cuja sede funcionava na residência do militar Manuel Luiz da Paz, à Rua dos Sopapos, n.º 311, na Levada, em Maceió. Em janeiro do ano seguinte, houve deserção de soldados da Força Pública alagoana. Alguns desses policiais militares passaram então a integrar a milícia da Liga. Os funcionários públicos e políticos ligados aos Malta começaram a sofrer com a violência a eles dirigida. Repartições públicas foram depredadas. Nos estertores de seu governo, Euclides Malta fugiu para o Recife.

Finalmente, em 2 de fevereiro de 1912, dia de Iemanjá, às vésperas do carnaval, a Liga dos Republicanos Combatentes, sob a liderança de Manuel da Paz e as ordens dos candidatos Clodoaldo da Fonseca e Fernandes Lima, promoveu o “Quebra de Xangô”, evento que resultou no truculento fechamento dos terreiros, na proibição dos cultos de matriz africana e na perseguição de seus praticantes em todo o Estado. Aqueles que resistiram em território alagoano, continuaram a manifestar suas crenças clandestinamente: o terreiro foi parar no fundo dos quintais. Uma das vítimas fatais da chacina foi Tia Marcelina, que, segundo se relata, disse ao seu assassino, antes de morrer: “Bate, moleque! Bate! Tira sangue, quebra osso, mas não tira saber!”.

Fernandes Lima foi, portanto, protagonista de um dos piores casos de intolerância religiosa, preconceito étnico e abuso de autoridade da história do Brasil. Em 2009, o Governo de Alagoas transformou o 2 de fevereiro em Dia Estadual de Combate à Intolerância Religiosa e em 2012, no centenário do Quebra, o mesmo Governo e a Polícia Militar de Alagoas pediram oficialmente perdão pelos crimes cometidos contra o povo de Axé, prometendo que nunca mais episódios tristes como esse se repetiriam.

Como se observa, as homenagens a Fernandes Lima, esse governador vândalo e cruel, são injustas. Homenageá-lo, como a outros da mesma estirpe, é perpetuar simbolicamente Alagoas como um Estado genocida, que no passado exterminou o povo Caeté e o Quilombo dos Palmares, e que hoje ameaça exterminar a Vila dos Pescadores do Jaraguá, mantendo-se como o Estado onde mais se mata jovens e, dentre esses jovens, o que mais mata jovens negros.

Mais justo seria se a Avenida Fernandes Lima se chamasse Avenida Tia Marcelina, trocando o nome do algoz pelo da vítima, o assassino pela assassinada, o bandido pela heroína, a memória dos senhores-de-engenho e dos coronéis pela memória do povo, verdadeiro construtor da história das Alagoas.” (fonte: http://www.tribunadosertao.com.br/blog/cosmerogerio/fernandes-lima-uma-injusta-homenagem/)

Registro, por fim, que não encontramos foto de Fernandes Lima (o político) na internet.