Neste dia 20 de novembro, é comemorado o Dia da Consciência Negra, sendo feriado no Estado de Alagoas (assim com em alguns outros Estados brasileiros).

Alagoas, além de ter abrigado em seu território o Quilombo dos Palmares, maior movimento de resistência e libertação negra das Américas, deu ao país grandes nomes que se esforçaram pela causa da igualdade racial: Zumbi, Jorge de Lima, Arthur Ramos e Djavan. Cada um a seu modo, mas sempre com muita grandiosidade, deu uma grande contribuição, seja através da resistência, da poesia, da ciência ou da música, respectivamente.

Abaixo, uma análise de como um dos quatro grandes alagoanos contribuiu com a causa da igualdade racial e consciência negra:

Zumbi dos Palmares, hoje um dos heróis da Nação (assim como Tiradentes, Deodoro, Santos Dumont, Chico Mendes e outros), foi o grande líder do movimento de libertação negra que ocorreu no século XVII em terras alagoanas.

Já escrevi neste blog um post sobre Zumbi e o dia da consciência negra:

Sim! Sem dúvidas, valeu Zumbi!

Por ter morrido em 20 de novembro (de 1695), esta data foi escolhida como o Dia da Consciência Negra. Nos últimos anos, ao mesmo tempo em que surgiu um movimento de resgate da figura emplemática de Zumbi, destacando seu grande papel, também apareceram os que querem denegrir sua imagem, especialmente quando o associam à escravidão que tanto combateu. Isto nada mais representa que a dialética da democracia.

O que particularmente acho que as pessoas deveriam entender é o contexto histórico no qual Zumbi viveu: a opressão de um povo escravizado (o africano), sendo ele um grande líder da resistência à escravidão. Lembre-se que Zumbi não era escravo (nasceu Francisco e foi criado e educado por um padre), mas foi voluntariamente lutar pela liberdade de seu povo. Este exemplo deve ser sim enaltecido, independentemente de erros que ele possa ter cometido.

Sobre a escolha da data da consciência negra e a vida de Zumbi:

“nem todos sabem que a data, na verdade, não celebra simplesmente a consciência afro-brasileira, que comemora 44 anos neste ano, mas relembra o aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, líder da República dos Palmares – também conhecida como Quilombo dos Palmares – no dia 20 de novembro de 1695. A data da morte foi descoberta apenas em 1971 e tornou-se feriado nacional 30 anos depois, em 2011, com algumas cidades adotando a pausa em seu calendário. Antes disso, em 2003 a data foi inserida no calendário escolar brasileiro. A cronologia da morte de Zumbi dos Palmares começa mesmo antes de seu nascimento. Em 1600, escravos negros foragidos dos engenhos de açúcar de Pernambuco fundam, na Serra da Barriga (AL), o Quilombo dos Palmares – 30 mil passam a morar na região. Em 1644, após 14 anos de presença no nordeste brasileiro, os holandeses falham na invasão ao Quilombo. Em 1654, eles são expulsos pelos portugueses do nordeste. Zumbi nasceu em 1655, em um dos acampamentos no Quilombo. Ainda jovem, ele foi aprisionado em 1662 e dado ao padre Antonio Melo que o batizou como Francisco. Ele ensinou ao jovem latim e português e, por sua vez, passou a ajudar o sacerdote em suas missas. Em 1670, o escravo, agora catequisado, foge e regressa à Palmares. Durante uma batalha entre tropas portuguesas e os escravos no local, em 1675, Zumbi surge como liderança militar durante os combates.

Três anos depois, após 78 anos de resistência, Pedro Almeida, o governador da capitania de Pernambuco tenta um acordo com outro líder do Quilombo, Ganga Zumba. Em troca da paz entre escravos e tropas, Almeida propõe que o Quilombo seja destruído. Zumbi rechaça a proposta; ele acreditava que todos os negros deveriam ser livres, e não deveriam voltar à escravidão. Durante 14 anos, entre 1680 e 1694, Zumbi liderou a República dos Palmares retaliando e afastando os ataques das tropas portuguesas. Porém, em 1694, com apoio da artilharia, os portugueses derrotaram Zumbi e destruíram a República dos Palmares. Ferido e derrotado na Cerca do Macaco – principal mulambo dos Palmares – Zumbi ainda consegue fugir dos militares portugueses comandados por Domingos Jorge Velho e Vieira de Mello. O líder negro ainda conseguiu viver durante um ano, até ser denunciado por um antigo companheiro. Zumbi foi localizado pelos portugueses, preso e degolado em 20 de novembro de 1965“. (fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/conheca-zumbi-dos-palmares-e-entenda-a-consciencia-negra,d4f79422e99c9410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html)

Jorge de Lima, assim como Zumbi, é de União dos Palmares. O escritor e poeta alagoano é considerado entre os grandes do país.

Outrora, escrevi sobre a poesia de Jorge de Lima um post neste blog:

A poesia de Jorge de Lima

Durante sua vida literária, passou por várias fases, dentre elas uma das mais destacadas foi a dedicada à temática dos negros.

No excelente ensaio de Alamir Aquino Corrêa intitulado “Jorge de Lima: poesia negra e a receção crítica“, publicado na Revista Terra Roxa e outras terras, restou destacado que:

Os poemas de Lima primam pela consciência do negro enquanto ser social, com história trágica e heróica, a par de uma enorme contribuição para a formação da cultura brasileira, dando-lhe ritmo, sabor e melancolia; entretanto, há de se ter um cuidado para não transformar essa consciência como valor dogmático, sem filigranas de imperfeição ou que denotem outras nuanças.”

No ensaio acima citado sobre os poemas de Jorge de Lima sobre os negros, vê-se que o alagoano e palmarino Povina Cavalcanti escreveu uma biografia sobre o seu conterrâneo. Comentando este livro, foi dito que:

Cavalcanti acredita que Jorge de Lima teria impregnado “ a sua poesia de uma consciência solidária no sofrimento e nas aflições dos homens de cor”, e que “ não tem sido ‘atitude de branco’ a sua compaixão pelos pretos” (1969: 202, 204). É importante anotar paralelamente que a solidariedade e a compaixão neste caso indicam firmemente o distanciamento de Jorge de Lima, a olhar o negro com um viés positivo, mas nunca integrativo ou autodefensivo, a considerar a hipótese de reconhecer-se em Lima a consciência de um “ser negro”. Cavalcanti aponta ainda uma visão do negro em Lima, a refletir sempre as idéias do lusotropicalismo: O negro da poesia de Jorge de Lima não é um fantasma, nem uma simples evocação sentimental. O negro é um ser humano e, como tal, um irmão que a vesguice dos homens, a brutalidade dos instintos, o atraso intelectual, os preconceitos, as vaidades tacanhas, o submundo dos feitores, os jograis da sociedade, os senhores das senzalas, os capitães de mato, os falsos doutores, os mandões facínoras, os lúbricos e os devassos transformaram no símbolo da nossa democracia racial – o mártir do nosso agiológio etnográfico. (1969: 205)”

Ainda no mencionado ensaio, vê-s que Gilberto Freye também escreveu sobre a obra poética de Jorge de Lima sobre a temática negra:

Uma das primeiras manifestações críticas sobre a poesia de temática negra em Lima é de Gilberto Freyre, em estudo publicado como prefácio ao livro de Jorge de Lima e posteriormente como artigo em 2 -RUQDO (Rio de Janeiro) em 22 de novembro de 1953, sob o título “Jorge de Lima e os seus 3RHPDV 1HJURV”. Freyre argumenta que Lima “ leva sem nenhum rancor nem ranger de dentes o cristianismo para o campo específico das relações fraternais dos brancos com os povos de cor” (Lima 1974: 158). A assunção de que o branco não tem cor e que cristãmente brancos e negros podem ser irmãos parece-se com a ideologia da expansão ultramarina portuguesa, levar a cruz ainda que nas embiras como afirma Jorge de Lima em seu estudo sobre Anchieta, e com o “ fraternalismo” tão próprio do regime escravocrata no Brasil! Lembre-se aqui que houve ordem governamental para apagar da memória nacional os registros da escravatura, como forma de “ redenção”. Recentemente, um mandatário nacional argumentava que deve ser paga a dívida com a África. Criticando aqueles que identificam uma gulodice do pitoresco em manifestações artísticas, Freyre afirma que vários artistas e escritores do Nordeste, mesmo “ não sendo de origem rigorosamente popular nem principalmente ameríndia ou africana, têm se dedicado ao estudo, à interpretação e até à expressão dos complexos mais característicos da região” e entre eles estaria Jorge de Lima; esta atitude buscaria demonstrar revolta contra os últimos preconceitos de cor, na verdade confundidos com os preconceitos de classe “ que mantêm na miséria tantos descendentes brasileiros de africanos” (Lima 1974: 158). Há de se considerar a distância que separa o texto de Freyre e a consciência recente da afrodescendência e da situação racial brasileira. Mesmo assim, Freyre acaba por colocar Lima como branco que se irmaniza cristãmente com os sofrimentos de alguns brasileiros.” (fonte: http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol3/vol3_jlaac.pdf)

E aí estão alguns destes poemas:

“Três “Poemas Negros” de Jorge de Lima

Ola! Negro 
Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos e a quarta e a quinta
gerações de teu sangue sofredor tentarão apagar tua cor!
E as gerações dessas gerações quando apagarem não apagarão

de suas almas, a tua alma , negro!
Pai-João, Mãe-Negra, Fulo, Zumbi,
negro-fujão, negro cativo, negro rebelde
negro cabinda, negro congo, negro ioruba,
negro que foste para o algodão de U.S.A
para os canaviais do Brasil,
para o tronco, para o colar de ferro, para a canga
de todos os senhores do mundo;
eu melhor compreendo agora os teus blues
nesta hora triste da raça branca, negro!

Olá, Negro! Olá, Negro!

A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!
E és tu que a alegras ainda com os teus jazzes,
com os teus sons, com os teus lundus!
Os poetas, os libertadores, os que derramaram
babosas torrentes de falsa piedade
não compreendiam que tu ias rir!
E o teu riso, e a tua virgindade e os teus medos e a tua bondade
mudariam a alma branca cansada de todas as ferocidades!

Olá, Negro!

Pai-João, Mã-Negra, Fulo, Zumbi
que traíste as Sinhás nas Casas Grandes,
que cantaste para o sinhô dormir,
que te revoltaste também contra o Sinhô;
quantos séculos há passado
e quantos sobre a tua noite,
sobre as tuas mandingas, sobre os teus medos, sobre tuas alegrias!

Olá, Negro!

negro que foste para o algodão de U.S.A
para os canaviais do Brasil,
quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
para que os canaviais possam dar mais doçura à alma humana?

Olá, Negro!

Negro, ó proletário sem perdão,
proletário, bom,
proletário bom!
Blues
Jazzes,
songs,
lundus…
Apanhavas com vontade de cantar,
choravas com vontade de sorrir
com vontade de fazer mandinga para o branco ficar bom,
para o chicote doer menos,
para o dia acabar e negro dormir!
Não basta iluminares hoje as noites dos brancos com teus jazzes
com tuas danças, com tuas gargalhadas!
Olá, Negro! O dia está nascendo!
O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo?

Olá, Negro!
Olá, Negro!

História

Era princesa.
Um libata a adquiriu por um caco de espelho.
Veio encangada para o litoral,
arrastada pelos comboieiros
Peça muito boa: não faltava um dente
e era mais bonita que qualquer inglesa.
No tombadilho o capitão deflorou-a.
Em nagô elevou a voz para Oxalá.
Pôs-se a coçar-se porque ele não ouviu.
Navio negreiro? não; navio tumbeiro.
Depois foi ferrada com uma âncora nas ancas,
depois foi possuída pelos marinheiros,
depois passou pela alfândega,
depois saiu do Valongo,
entrou no amor do feitor,
apaixonou o Sinhô,
enciumou a Sinhá,
apanhou, apanhou, apanhou.
Fugiu para o mato.
Capitão do campo a levou.
Pegou-se com os orixás:
fez bobó de inhame
para Sinhô comer,
fez aluá para ele beber;
fez mandinga para o Sinhô a amar.
A Sinhá mandou arrebentar-lhe os dentes:
Fute, Cafute, Pé-de-pato, Não-sei-que-diga,
avança na branca e me vinga.
Exu escangalha ela, amofina ela,
amuxila ela que eu não tenho defesa de homem,
sou só uma mulher perdida neste mundão.
Neste mundão.
Louvado seja Oxalá.
Para sempre seja louvado..

Serra da Barriga

Serra da Barriga!
Barriga de negra-mina!
As outras montanhas se cobrem de neve,
de noiva, de nuvem, de verde!
E tu, de Loanda, de panos-da-costa,
de argolas, de contas, de quilombos!

Serra da Barriga!
Te vejo da casa em que nasci.
Que medo danado de negro fujão!

Serra da Barriga, buchuda, redonda,
de jeito de mama, de anca, de ventre de negra!
Mundaú te lambeu! Mundaú te lambeu!
Cadê teus bumbuns, teus sambas, teus jongos?
Serra da Barriga,
Serra da Barriga, as tuas noites de mandinga,
cheirando a maconha, cheirando a liamba?
Os teus meio-dias: tibum nos peraus!
Tibum nas lagoas!

Pixains que saem secos, cobrindo
sovacos de sucupira,
barrigas de baraúna!
Mundaú te lambeu! Mundaú te lambeu!
De noite: tantãs, curros-curros
e bumbas, batuques e baques!
E bumbas!
E cucas: ô ô!
E bantos: ê ê
Aqui não há cangas, nem troncos, nem banzos!
Aqui é Zumbi!
Barriga da África! Serra da minha terra!
Te vejo bulindo, mexendo, gozando Zumbi!
Depois, minha serra, tu desabando, caindo,
levando nos braços Zumbi!”(fonte: http://bestiarioalagoano.blogspot.com.br/2013/11/tres-poemas-negros-de-jorge-de-lima.html)

É evidente que não podemos deixar de registrar aqui o poema Negra Fulô, um dos mais conhecidos de Jorge de Lima (assim como o Ascendedor de Lampiões).

Arthur Ramos foi (ou é, pois seu legado vive) outro alagoano que deu grande contribuição à discussão dos problemas dos negros no Brasil.  Uma amostra do que fez o pilarense que foi diretor da UNESCO e deu palestras em Harvard pode ser lido em outro post que publiquei neste blog:

De Pilar a Paris: o legado do alagoano que deu palestras em Harvard e foi diretor da UNESCO

Sem exagero, pode-se afirmar com segurança que Arthur Ramos foi um dos maiores estudiosos dos problemas sociais dos negros em todo o mundo.

No resumo do artigo “O pensamento e a atuação de Arthur Ramos frente ao racismo nos decênios de 1930 e 1940”, de Luana Tieko Omena Tamano, lê-se claramente a importância de Arthur Ramos para o estudo da temática negra:

Arthur Ramos (1903-1949) foi um médico alagoano que atuou e se destacou em outras áreas do conhecimento para além do de sua formação acadêmica, como era comum em sua época. Assim, trabalhou com criminologia, folclore, psicologia, higiene mental e antropologia. Cientista de envergadura internacional, Ramos atuou energicamente contra o preconceito de cor que ganhava força com a Segunda Guerra Mundial. Por meio de manifestos, palestras, livros e outros, enfatizava sempre o erro em usar as teorias cientificistas do século XIX como embasamentos teóricos às diferenças entre povos, tidas ainda como diferenças raciais, bem como defendia a ideia de que tais diferenças ocorriam por motivos históricos e nunca raciais. Focando seus trabalhos desenvolvidos sob esta temática, busca-se analisar seu papel (político, social e científico) como defensor da igualdade entre as raças, do ponto de vista biológico e, por conseguinte, social.” (fonte: http://www.revista.ufal.br/criticahistorica/attachments/article/189/O%20PENSAMENTO%20E%20ATUA%C3%87%C3%83O%20DE%20ARTHUR%20RAMOS%20FRENTE%20AO%20RACISMO%20NOS%20DEC%C3%8ANIOS%20DE%201930%20E%201940.pdf)

Na introdução de sua obra “O negro brasileiro: etnografia religiosa e psicanálise”, Arthur Ramos introduz dizendo:

O Negro Americano! Como reagiu ele no novo habitat? Que influências sofreu a sua psique ao contato de outras raças e de outros meios? De outro lado, que influxos exerceu nos povos neo-continentais com que se amalgamou? Qual a sua posição no Brasil em paralelo com seus irmãos de cor em outros países do continente americano? São problemas que ainda não foram desvendados em todos os seus segredos e determinantes sutis. Toda a América recebeu o influxo misterioso e impalpável desta raça que foi violentamente arrancada do seu habitat de origem pelo branco explorador e cobiçoso. E se no Continente Negro, a sua alma só agora está preocupando os psicólogos e sociólogos, esses estudos e pesquisas repercutirão até nós, fornecendo elementos para a devassa dos seus horizontes psíquicos, só agora entrevistos à argúcia dos perscrutadores do inconsciente coletivo.” (fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142007000400015&script=sci_arttext)

Interessante também perceber qual a opinião de Arthur Ramos sobre o Quilombo dos Palmares:

Dentro dessa maneira de pensar, Palmares seria o grande feito heroico, “foi a primeira grande epopeia que o Negro escreveu em terras do Brasil”. (RAMOS, 1971a: 65) Elevando o status dele dentre os quilombos, já que não era um simples quilombo como todos os outros. E o engrandecendo como movimento realizado pelos negros, pois “passou a história brasileira como uma grande tentativa negra de organização de estado”. O Quilombo de Palmares seria no seu entendimento um “ estado, com tradições africanas dentro do Brasil”, embora essa afirmativa seja parecida com a feita por Nina Rodrigues, há uma diferença sútil, mas significativa. Para o “mestre”, Palmares teria sido um “estado africano” em terras brasileiras, isso conota um maior isolamento devido a diferença evolutiva ou desnível psicológico da raça banta, proveniente da África Meridional os construtores de Palmares eram de uma raça inferior aos colonos e aos europeus e isso impossibilitava a adaptação a civilização. (RODRIGUES, 2010) Em contrapartida o “discípulo” faz uma leitura que coloca Palmares como uma reação cultural de povos africanos ou descendentes às imposições da cultura europeia através da escravidão, e ao mesmo tempo diminui o isolamento, pois essas tradições africanas estariam no Brasil e de forma alguma poderia salvar-se do sincretismo. (RAMOS, 1971a: 65)” (fonte: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1363878192_ARQUIVO_ThyagoSouzaOespacodoNegrobrasileiro.pdf)

O quarto grande alagoano que contribuiu (e ainda o faz) para a causa negra no Brasil é Djavan, um dos maiores cantores e compositores da música neste país.

Também já escrevi sobre Djavan neste blog:

O dia em que Al Jarreau e Djavan dividiram o mesmo palco

Djavan não é apenas um dos grandes gênios da música brasileira, ao conseguir fazer músicas com tanta poesia. Ele também se orgulha de suas raízes negras. Sobre este tema:

“Djavan fará quatro shows na África. Ele se apresenta pela primeira vez em Cabo Verde e Moçambique. O cantor desembarca com o novo show “Ária” na Cidade de Mindelo/Ilha de São Vicente (dia 29/06), Cidade da Praia/Ilha de Santiago (dia 01/07) e em Maputo (dias 07 e 08/07). Não será a primeira vez do artista no continente africano, país de extrema importância na formação musical e espiritual do artista.”Eu sou uma pessoa do mundo, mas me sinto indubitavelmente negro em tudo. A minha música é negra, eu sou um homem negro e adoro as religiões que descendem da África”, disse Djavan, em entrevista à BBC Brasil há quatro anos atrás.
“Eu fui criado sob a cultura negra, tenho total a coisa do sangue negro, da veia negra na minha vida”, contou o artista, que foi criado pela mãe – “uma negra linda com a cultura africana no sangue”.

Identificação com a África
O artista acredita que suas raízes africanas expliquem seus talentos musicais e o sentimento de identificação que teve nas viagens que fez pelo continente. “Na primeira vez que eu fui à África, em 81, tomei o maior susto, quando eu pude identificar ali a raiz da minha música, porque eu tenho uma música que no início da minha carreira era muito contestada por muita gente. Diziam que era uma coisa estranha, que não tinha nem pé nem cabeça, que a minha divisão rítmica era uma coisa estranha e tal.”

“Cheguei em Angola e pude ver nitidamente onde estava a raiz disso tudo”, completou Djavan, que também contou ter ficado muito à vontade na Argélia. “Então a minha identificação com a África é muito grande. Pela religião, cultura, música, a comida também.“” (fonte: http://www.djavan.com.br/site/noticias/viva-africa)

Ultimamente, foi descoberto que Djavan no começo de sua carreira musical escreveu a música “Negro”, censurada pela ditadura militar. A canção, que fala de racismo, perdeu-se nos porões da represssão, e, 41 anos depois, nem ele sequer recordava.

Sobre esta interessante redescoberta:

Digitalização de documentos da ditadura revela canções inéditas

Uma equipe de 12 pesquisadores do Arquivo Nacional desde o início do ano está levando a cabo um projeto de valor imensurável para a memória da música popular brasileira: a organização e digitalização de todo o acervo musical submetido à censura. Perdidas entre cerca de 77 mil documentos do Serviço de Censura e Diversões Públicas, arquivados pela Polícia Federal de 1968 a 1988, período em que vigorou a censura no regime militar, estão letras esquecidas de artistas como Djavan, Aldir Blanc e Jorge Mautner,entre outros registros valiosos aos quais O GLOBO teve acesso com exclusividade.
 
Custeado pelo BNDES, o projeto prevê a disponibilização de todo esse acervo ao público pela internet a partir do ano que vem, quando será concluído, facilitando a realização de inúmeras pesquisas acadêmicas, documentários e biografias. No garimpo, os técnicos encontraram as jusitificativas para as proibições de Aldir Blanc (“Antes e depois”, censurada por apresentar “conteúdo erótico”) e Jorge Mautner (“Papoulas e arco-íris”, vetada pelo conteúdo “alienado, extraterrestre”), além de pareceres curiosos sobre letras de Egberto Gismonti e Geraldinho Carneiro (“Corações futuristas”) e Nelson Motta (“Boa viagem”).
 
— Todas as histórias já conhecidas sobre músicas censuradas fazem parte deste acervo, que é de extrema importância para a História do país — diz Marcus Alves, coordenador do departamento responsável pela digitalização. — É o caso da letra de “Cálice”, por exemplo, ou das canções que Chico Buarque assinava como Julinho da Adelaide para burlar a censura. Mas agora, mexendo nestes documentos mais a fundo, reorganizando muitos dossiês que estavam separados, refazendo os protocolos, tivemos a chance de fazer um novo pente fino no material. E sempre surgem documentos curiosos e inéditos.
 
ZUMZUMZUM: VERSOS JÁ ‘DJAVÂNICOS’
 
Djavan estava louco para gravar o primeiro disco. Em meados de 1974, o alagoano de 27 anos que se apresentava como crooner em boates cariocas compunha vertiginosamente para ter muitas canções para mostrar ao produtor musical Aloysio de Oliveira, que já havia lançado nomes como Tom Jobim e, então na Som Livre, decidira apostar nele. Quando chegou a 60 músicas, Djavan gravou-as em fitas cassete e entregou todas a Aloysio. O produtor escolheu 12, e assim nasceu o álbum “A voz, o violão, a música de Djavan”, a estreia formal do músico, em 1976.
 
Entre as 48 canções que tinham ficado de fora, no entanto, estava uma das preferidas de Djavan. Intitulada “Negro”, seria a única em toda a sua carreira que abordaria explicitamente o racismo. Algum tempo antes, de passagem por São Paulo, ele tinha sido preso pelo fato de ser negro. Foi o próprio policial quem falou: “Vai preso porque é preto”. A raiva virou música, mas a música virou só uma lembrança distante, assim como todas as outras. Foi um dos grandes arrependimentos da sua carreira: não ter pedido as fitas de volta ou ter feito uma cópia para si. Nunca mais soube delas.
 
Até a última quinta-feira. Foi quando o músico finalmente reencontrou a letra de cinco canções daquele montante, entre elas “Negro”, 41 anos depois de tê-la composto. Surpreso, arriscou uma melodia sobre os versos — “Negra é a luz que se fechou no ar/ Negro, lágrimas, correntes/ Que identificam a gente/ De maneira má/ Negro de coração forte/ Negro eu, negro você, vida negra” — e já cogita até regravá-la.
 
— Isto aqui é um presente, estou muito emocionado mesmo — comoveu-se Djavan, lamentando o fato de a letra ter sido rejeitada por um dos censores justamente pelo conteúdo racial. — Eu nem sabia que havia tido músicas censuradas! O que deve ter acontecido é que o Aloysio escolheu algumas canções daquelas 60 que eu mandei a ele, submeteu à censura as que considerou prováveis para o disco, como toda gravadora fazia à época, e lá elas ficaram arquivadas. Estou impressionado, que volta que as músicas deram para retornar às minhas mãos 40 anos depois… Fiquei muito chateado que o Aloysio não a tenha escolhido para o disco, puxa, eu queria ter falado disso no meu primeiro álbum. Naquela época, eu estava sofrendo muito preconceito racial, no Rio, sozinho, sem conhecer ninguém. Sofria rejeições para entrar nos lugares, tenho essa lembrança forte até hoje, e logo depois do episódio de São Paulo. Na época, o preconceito racial chegava a mim bem mais forte do que chega hoje, claro, depois da fama. Além de tudo, ela tem uma boa letra.
 
A história de “Negro” guarda ainda outro mistério: a letra passou por três pareceres de censores diferentes, como era praxe na época. Um a vetou, com a justificativa de que “traz à tona problema racial”, mas outros dois a aprovaram. Apesar do carimbo definitivo liberando a canção, ela nunca mais voltou às mãos de seu autor. As outras letras de Djavan encontradas pela equipe tiveram caminho semelhante: “Joana”, “Para comigo fazer”, “Como posso saber” e “Desgruda”.
 
— Eu me lembro desta, “Joana”. Eu estava muito influenciado por Dorival Caymmi. “Com a tarde vem Joana, meiga, pura, simples, triste/ Guarde seus olhos mulher/ Joana, faça de conta que nada tem a ver/ com o peso que há dentro de você” — cantarola o músico, divertindo-se com a avaliação da própria obra, décadas depois. — Esta outra aqui é muito boa também (refere-se a “Como posso saber”), mas esta é terrível (sobre “Desgruda”, que tem versos já com indícios djavânicos, como “Não se pode pensar, não se pode parar, na mulher de qualquer um/ Mas a sopa vem depois/ no amor que outrora foi de dois/ tem que ser devagar/ para não machucar/ o coração de qualquer um/ se a bronca bate à porta/ é sinal que vai ter zumzumzum”).” (fonte: http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2412&sid=119)